um tríptico para falar de mulheres,
memória
e infraestrutura
Uma sala com uma alfaia agrícola semi-suspensa; um laboratório que começa a ser coberto pelas raízes e folhas de inhame; um cenário-palco alusivo às cozinhas comunitárias a céu aberto, à atividade vulcânica e que coloca em diálogo, diluindo as suas fronteiras, o trabalho dito produtivo e o trabalho reprodutivo. A acompanhar, uma instalação sonora como manta de retalhos com trechos de narrativas autobiográficas sobre a participação no cozido, que resultaram de encontros/rodas de conversa comunitárias.
Como os nomes das caldeiras, os arquivos encapsulam as suas dramaturgias, e trabalham o conjunto de compilações que foram feitas a partir da pesquisa desenvolvida em SULFUR envolvendo algumas operações, quanto basta, de corta e coze.
Para esta exposição, recorreu-se a um tríptico que alinha a linguagem industrial e outras tecnologias, incluíndo as tecnologias da memória, representação e inconformação. São usados suportes de maquinaria associados à construção ou ao trabalho da terra, os suportes simbólicos alusivos a hábitos de convivência, registos biográficos ou mitos fundacionais.
mulher-máquina
alfaia agrícola que sugere uma figura antropomórfica, ecrãs com vídeo-ensaios completam a sua intenção: uma mulher com vários braços que, como parte de uma linha de produção, executam, cada um (e cada mão) a sua função relativa ao trabalho doméstico: a lavagem, o descascar, o partir — o corte enquanto mazela — e o servir. A sequência repetitiva poderia conduzir a um circuito fechado, claustrofóbico e sem capacidade de fuga, mas é aí que alguns ‘erros’ na linha de montagem são introduzidos, abrindo lugar à subversão de uma norma da docilidade dos corpos femininos.
laboratório
uma coleção de totens que, no seu conjunto, aludem aos ‘mistérios laboratoriais da terra’ e, ao mesmo tempo, às vivências — históricas ou contemporâneas — de mulheres da Ilha. Itens ou objetos em frascos medicinais fazem referência à conotação das águas das Furnas com a cura e do feminino enquanto categoria útil para a sua comercialização. Uma massa-mãe cresce durante o tempo da exposição, simbolizando a massa crua que se deixava em fornos partilhados como gesto de agradecimento & cortesia para a/o próxima/o utilizador/a.
palco produção/reprodução
um cenário-palco onde se regista a atividade vulcânica, onde assenta uma geo-cozinha e uma coleção de ‘erros’ representacionais extraídos da contemporaneidade do google maps e que entram em diálogo com o fantasmagórico imaginário da vila das Furnas como descrito em séculos passados por visitantes e cujo nome de caldeiras [como a do Asmodeu] atestam.
Fotografia por Mariana Lopes
manual para hackear o enxofre em cuidado
7 recipientes, 10 braços, 1 panela
I. agacha-te, analisa os recipientes e não toque nas máquinas, estamos num laboratório para pensamento do cuidado e as informações são reveladoras de invisibilidades palpitantes e por vezes frustrantes
II. aqui e agora, pensa os artefactos como maquinaria pesada, pistas sinalizadoras de estruturas de trabalho reprodutivo e de cuidado
III. pistas são arquivos de histórias pouco narradas e a sujidade uma subjetividade aberta a uma geopoética fragmentada
IV. aqui e agora, as máquinas e estruturas de trabalho industrial transformam-se em maquinaria pouco pesada
V. imagina o teu corpo como um ser aquoso de água onde 60 a 90% são fluídos, pensa o cuidar do corpo e dos outres como deveria de ser o cuidar das terras e das águas
VI. o enxofre ocupa cerca de 0.034% da crosta terrestre é encontrado em cristais amarelados que não são nem laranjas nem dourados assim como nem laranjas ou dourados são estes peixes
VII. recipientes como primeiros dispositivos culturais, recipientes para arquivos mitologicos capazes de nos revelar histórias orais mais ou menos (ir)reais
VIII. sabotagem à faca como ferramenta de trabalho essencial e transforma-a em trabalho morto-vivo: as manobras transformam-se na essência das coreografias laboriosas: corta, descasca e corta-te, faz o erro, loop
IX. lava, lava-te. lavamos tanto que ficou invisível, trocas aquosas essenciais como histórias de criaturas subaquáticas para a criação do ínicio deste início de mundo aquícola
Reina Del Mar
Fotografia por Mariana Lopes
memória descritiva
A Caldeira das Furnas é um palco onde se conta uma história e onde a História se re-presenta. Aí, demonstram-se ou ocultam-se os gestos trespassados geracionalmente, que executam ou respondem àquilo a que chamamos de manuscritos não-escritos de género.
Se quisermos encontrar o lugar das mulheres nesse palco, o lugar que lhes é reservado é o da assistência, não o de atrizes. E, perante a amnésia dos arquivos, com a sua presença camuflada no pano de fundo do vapor, das encostas, das lagoas, são os objetos, os nomes das caldeiras, os azulejos da Freguesia, aquilo que é contado pela oratura ou que ficou descrito por algumas ‘mulheres ilustres’ que nos dão conta da sua presença na vida quotidiana e do peso simbólico do feminino.
As mulheres, como a terra, são vistas como recursos naturais, inesgotáveis e exploráveis. Mulheres-máquinas, os muitos braços de uma mulher não chegam para todo o trabalho que lhe é esperado performar ou cultivar. Contar a sua história — abrir uma fenda — passa por esse exercício antro-poético que nos transporta até às máquinas que sementam ou revolvem, às moradas viscerais e aos corpos que suam, à água que borbulha e anuncia os mistérios laboratoriais da terra, que cura, à reconstrução dos totems.
exposição
maio 2022
Curadora
Reina del Mar
Produtora
Mafalda Fernandes
Designer de som
Inês Malheiro
Designer Gráfica
Irina Pereira
Painel têxtil
Tilo
Parceiro institucional
Ministério da Cultura - República Portuguesa
Agradecimentos
Anda&Fala - Associação Cultural
Centro de Monitorização e Investigação das Furnas
Cerveja Korisca
Cofraçor - Cofragens e Construções, Lda
Escola Básica 2,3 de Capelas
Escola Básica 1,2,3/JI de Furnas
Expolab - Centro de Ciência Viva
Fábio Botelho
Festival Tremor
Gui Ruivo
Insco
Junta de Freguesia das Furnas
Maria Parceiro
Maria Pic-nic
Marques Britas SA - Grupo Marques
Parque Terra Nostra
um tríptico para falar de mulheres,
memória
e infraestrutura
Uma sala com uma alfaia agrícola semi-suspensa; um laboratório que começa a ser coberto pelas raízes e folhas de inhame; um cenário-palco alusivo às cozinhas comunitárias a céu aberto, à atividade vulcânica e que coloca em diálogo, diluindo as suas fronteiras, o trabalho dito produtivo e o trabalho reprodutivo. A acompanhar, uma instalação sonora como manta de retalhos com trechos de narrativas autobiográficas sobre a participação no cozido, que resultaram de encontros/rodas de conversa comunitárias.
Como os nomes das caldeiras, os arquivos encapsulam as suas dramaturgias, e trabalham o conjunto de compilações que foram feitas a partir da pesquisa desenvolvida em SULFUR envolvendo algumas operações, quanto basta, de corta e coze.
Para esta exposição, recorreu-se a um tríptico que alinha a linguagem industrial e outras tecnologias, incluíndo as tecnologias da memória, representação e inconformação. São usados suportes de maquinaria associados à construção ou ao trabalho da terra, os suportes simbólicos alusivos a hábitos de convivência, registos biográficos ou mitos fundacionais.
mulher-máquina
alfaia agrícola que sugere uma figura antropomórfica, ecrãs com vídeo-ensaios completam a sua intenção: uma mulher com vários braços que, como parte de uma linha de produção, executam, cada um (e cada mão) a sua função relativa ao trabalho doméstico: a lavagem, o descascar, o partir — o corte enquanto mazela — e o servir. A sequência repetitiva poderia conduzir a um circuito fechado, claustrofóbico e sem capacidade de fuga, mas é aí que alguns ‘erros’ na linha de montagem são introduzidos, abrindo lugar à subversão de uma norma da docilidade dos corpos femininos.
laboratório
uma coleção de totens que, no seu conjunto, aludem aos ‘mistérios laboratoriais da terra’ e, ao mesmo tempo, às vivências — históricas ou contemporâneas — de mulheres da Ilha. Itens ou objetos em frascos medicinais fazem referência à conotação das águas das Furnas com a cura e do feminino enquanto categoria útil para a sua comercialização. Uma massa-mãe cresce durante o tempo da exposição, simbolizando a massa crua que se deixava em fornos partilhados como gesto de agradecimento & cortesia para a/o próxima/o utilizador/a.
palco produção/reprodução
um cenário-palco onde se regista a atividade vulcânica, onde assenta uma geo-cozinha e uma coleção de ‘erros’ representacionais extraídos da contemporaneidade do google maps e que entram em diálogo com o fantasmagórico imaginário da vila das Furnas como descrito em séculos passados por visitantes e cujo nome de caldeiras [como a do Asmodeu] atestam.
Fotografia por Mariana Lopes
manual para hackear o enxofre em cuidado
7 recipientes, 10 braços, 1 panela
I. agacha-te, analisa os recipientes e não toque nas máquinas, estamos num laboratório para pensamento do cuidado e as informações são reveladoras de invisibilidades palpitantes e por vezes frustrantes
II. aqui e agora, pensa os artefactos como maquinaria pesada, pistas sinalizadoras de estruturas de trabalho reprodutivo e de cuidado
III. pistas são arquivos de histórias pouco narradas e a sujidade uma subjetividade aberta a uma geopoética fragmentada
IV. aqui e agora, as máquinas e estruturas de trabalho industrial transformam-se em maquinaria pouco pesada
V. imagina o teu corpo como um ser aquoso de água onde 60 a 90% são fluídos, pensa o cuidar do corpo e dos outres como deveria de ser o cuidar das terras e das águas
VI. o enxofre ocupa cerca de 0.034% da crosta terrestre é encontrado em cristais amarelados que não são nem laranjas nem dourados assim como nem laranjas ou dourados são estes peixes
VII. recipientes como primeiros dispositivos culturais, recipientes para arquivos mitologicos capazes de nos revelar histórias orais mais ou menos (ir)reais
VIII. sabotagem à faca como ferramenta de trabalho essencial e transforma-a em trabalho morto-vivo: as manobras transformam-se na essência das coreografias laboriosas: corta, descasca e corta-te, faz o erro, loop
IX. lava, lava-te. lavamos tanto que ficou invisível, trocas aquosas essenciais como histórias de criaturas subaquáticas para a criação do ínicio deste início de mundo aquícola
Reina Del Mar
memória descritiva
A Caldeira das Furnas é um palco onde se conta uma história e onde a História se re-presenta. Aí, demonstram-se ou ocultam-se os gestos trespassados geracionalmente, que executam ou respondem àquilo a que chamamos de manuscritos não-escritos de género.
Se quisermos encontrar o lugar das mulheres nesse palco, o lugar que lhes é reservado é o da assistência, não o de atrizes. E, perante a amnésia dos arquivos, com a sua presença camuflada no pano de fundo do vapor, das encostas, das lagoas, são os objetos, os nomes das caldeiras, os azulejos da Freguesia, aquilo que é contado pela oratura ou que ficou descrito por algumas ‘mulheres ilustres’ que nos dão conta da sua presença na vida quotidiana e do peso simbólico do feminino.
As mulheres, como a terra, são vistas como recursos naturais, inesgotáveis e exploráveis. Mulheres-máquinas, os muitos braços de uma mulher não chegam para todo o trabalho que lhe é esperado performar ou cultivar. Contar a sua história — abrir uma fenda — passa por esse exercício antro-poético que nos transporta até às máquinas que sementam ou revolvem, às moradas viscerais e aos corpos que suam, à água que borbulha e anuncia os mistérios laboratoriais da terra, que cura, à reconstrução dos totems.
Fotografia por Mariana Lopes
exposição
maio 2022
Curadora
Reina del Mar
Produtora
Mafalda Fernandes
Designer de som
Inês Malheiro
Designer Gráfica
Irina Pereira
Painel têxtil
Tilo
Parceiro institucional
Ministério da Cultura - República Portuguesa
Agradecimentos
Anda&Fala - Associação Cultural
Centro de Monitorização e Investigação das Furnas
Cerveja Korisca
Cofraçor - Cofragens e Construções, Lda
Escola Básica 2,3 de Capelas
Escola Básica 1,2,3/JI de Furnas
Expolab - Centro de Ciência Viva
Fábio Botelho
Festival Tremor
Gui Ruivo
Insco
Junta de Freguesia das Furnas
Maria Parceiro
Maria Pic-nic
Marques Britas SA - Grupo Marques
Parque Terra Nostra